Sorbonne, 24.09.13
João,
Eu me questiono também o motivo de ter saído. Curiosamente, quando vim, parecia bastante claro, mas o lento correr dos dias tem me mostrado que isso é exílio e não intercâmbio. Talvez eu ande meio triste e isso impregne na minha roupa e na minha escrita de uma forma muito além do que eu possa prever, dado mesmo a minha inclinação para o exagero, o sentimentalismo e o drama. Mas reitero: isso é exílio. Não necessariamente político e doloroso como os ocorridos em épocas de guerra e de ditadura, mas não é definitivamente o oposto. Não sei, mas essa cidade não me encanta. É claro que, por fotos, me encantava e, obviamente, existe deslumbramento nos pontos turísticos. É claro. Mas não há encantamento. E parece-me curioso isso: não estar apaixonado no começo e passar pelo processo de desapego e saudade ao longo dos meses – até o ponto de suplicar a volta para casa.
Não chego ainda a suplicar a volta, mas olho para as pessoas que passam ao meu redor em bandos e penso: eu não sou parte de tudo isso. Eu, por outro lado, sinto-me dentro de uma esfera nauseante e claustrofóbica em que existe espaço para mim – e somente. Sinto a despatriação de mim mesmo ocorrendo lentamente. Aqui, meu caro, eu sou triste. Eu não falo alto, eu não sorrio fácil e nem sequer sei fazer piada. Aqui eu sou tímido, almoço sozinho e as poucas vezes que tenho alguém comigo geralmente não sei ser menos gentil que um livro de idiomas ensina e mais espontâneo do que uma fita cassete pronta a recomeçar o curso intensivo de verão. Mas isso me assombra: aqui, eu sou triste. Eu tenho olheiras, como pouco, falo pouco e uso fones de ouvido. Eu nunca usei fones de ouvido como forma de espantar pessoas, mas aqui eu uso. Aqui eu ando constantemente sozinho, ouvindo estranhos e desenhando rostos no metrô. Escrevo pouco e sinto saudade o tempo todo – a ponto de chorar em museu.
Um amigo meu, que aqui mora faz anos, me perguntou se Paris já havia sugado as minhas energias. Eu achei curioso a princípio. Respondi (e um pouco mentindo) que Paris ainda me fazia bem. Ele me disse algo, então, que agora entendo: é melhor que você seja turista sempre, que não more no centro e só passe por Paris todos os dias. É melhor que sua casa seja em outro lugar, talvez assim você tenha uma impressão menos angustiante dessa cidade. Paris é apertada, quieta, triste, cinza. Paris é linda também, mas acho curioso que as únicas cores que eu veja estejam nas calças compridas, nos macarons e nas flores dos jardins. O amor se esfriará no coração de muitos, penso muito e constantemente. Paris é, de fato, uma cidade para ser contemplada, visitada, deixada. A permanência fará, hora ou outra, na feição os lábios tristes de alguém que lê e apenas lê nos metrôs. Ninguém se apaixona quando novas pessoas entram no vagão. Contempla-se apenas.
E em mais um dia de respostas cinzas, recebi pelo correio seu cartão postal. No meio do meu silêncio reiterado, fiquei brincando de olhar o céu pelo buraco do papel. E percebi com espanto: por trás de tudo,o por-do-sol ainda não é cinza. O dedo da última carta, pra mim, aponta para um lugar em que o cinza é só uma lembrança de um exílio. Ou de um Exílio. É, aqui eu sou triste.
Com açúcar, com afeto,
S.