Stefano/João #2

Querido João,

Ainda tenho problema com o vocativo: me soa amargo. Não, não é amargo; talvez ocre. Me soa estranho, como uma polpa meio verde de fruta: o gosto que deveria ter está lá, mas nem por isso é saboroso. Não gosto, ainda que goste – no limiar paradoxal entre as duas faces dessa moeda, chamada por Freud, de Amor-Ódio. No entanto, é cabível de discussão, talvez você me convença do uso do “querido” ou mesmo do “caro” ou de qualquer outra dessa estirpe, porque usar um “mano” ou “brother” ou uma dessas categorias mais tidas como recentes parece-me um impropério. E eis-me cá de novo no maneirismo, no limiar entre a carta e o e-mail; essa é uma condição que talvez perca, mas por enquanto o hibridismo me soa agradável. Quanto a você, não sei, porém eu imagino-me com uma pena cibernética quando escrevo. Enfim, tudo isso para dizer que o “querido” ou mesmo o “caro” me soam distantes: no tempo linguístico e no afetivo também. De qualquer forma, feito um comentário metalinguístico que me incrivelmente me encanta em inícios, vamos à resposta – que é a parte interessante de tudo isso.

Dá-me um frio na barriga pensar em intercâmbio – ainda que por enquanto seja só o seu, mas eu tenho uma verdadeira inclinação pelo gosto de viajar. E mais do que isso: o gosto dos preparativos; acredito, assim, que seja essa a única espera que eu suporte carregar. Quantas vezes já não me peguei fazendo contagens regressivas para meros passeios para terras não tão distantes quanto o reino da Dinamarca. Ou mesmo, tão distante quanto o continente europeu, posto que nossos ensejos não se limitam à terra da corte de Hamlet. Nem que os sonhos de longo prazo – que durariam longos meses – caiam por terra, penso que não devemos por nada perder a vontade de fazer um outro, ainda que curto, para suprir a ânsia pelo solo europeu. Portanto, firmo nessa carta um pacto: de uma forma ou outra, fomentados pelo governo, pelo nosso próprio bolso ou por recitar poemas no metrô ao som de uma sanfona rangendo, vamos passar um tempo no escapismo intercontinental. O que pensa sobre a proposta?

E quanto ao roteiro, me encanta. De fato, eu fico feliz que você seja o contra-peso de minha balança – e já me explico. Gosto dos roteiros banhados ao moderno, seja na Arquitetura ou na Arte, por isso poucas são as vezes em que me lembro de colocar nas minhas andanças a visita a castelos, túmulos ou pequenos recantos históricos que guardam, é claro, mil encantos. É piegas falar mil encantos? Sim, é; mas tenho acreditado por hora que é a mais pura verdade. Sobre isso, uma digressão: nas minhas novas andanças pelo próprio centro (histórico?) de Campinas tenho encontrado pequenos cantos tão bonitos e agradáveis de se contemplar e frequentar. Sejam mosaicos em paredes de revés e onduladas; sejam fachadas conservadas e restauradas. E mil encantos que antes mesmo me passavam despercebidos. Posto isso, que é um conhecimento atual e empírico, tenho acreditado cada vez mais que dá sempre para redescobrir o antigo, sem esse pré-conceito falacioso de que: é atual, é melhor; até por que eu tenho estudado uma catedral em construção desde 1882, quer dizer: tenho re-inventado o velho-novo.

No entanto, ainda tenho que pegar o macete de achar no medieval – que é o seu campo, caro – sempre uma opção. E podemos, então, seguir assim: mesclando as duas estéticas, os dois tempos, os tantos olhares que existem enraizados por aí. Nesse sentido, fui descobrir do seu roteiro, primeiramente, Belfast: cidade para a qual nunca havia dado a mínima importância em conhecer, confesso. Mas veja só, que grata surpresa! Que canto mais incrível se esconde por lá e, de fato, revela bem essa mistura que eu acabo de citar, a qual considero extremamente frutífera: o velho-novo; novo-velho; nossos olhares diferentes e complementares. Vou, então, exemplificar meu encantamento com duas fotografias bastante representativas:

o contraste entre as belezas de Belfast

o contraste entre as belezas de Belfast

Definitivamente, Belfast está no roteiro; e o castelo Helsingor e seu telhado esverdeado também. Eu ainda não tenho grandes roteiros em minha mente, mas tenho várias idéias. Definitivamente, a Abadia de Westminster está no roteiro, bem como todas as belezas de Londres e suas curiosidades – ainda vou fazer uma pesquisa mais profunda sobre os lugares interessantes para visitar por lá. No entanto, há uma exigência: Espanha. Não preciso dizer que a ida a Barcelona e, é claro, à Sagrada Família são imprescindíveis – que já não sei se será uma exigência acadêmica ou de outra natureza. Há também outro complexo arquitetônico maravilhoso que desejo visitar em terras catalãs, mas que não chega a ser uma prioridade: Valência e sua encantadora Cidade das Artes e das Ciências. 

Quanto ao alojamento, uma certeza: hostel! Não me venha com hotéis caros e sem contato inter-pessoal: o que mais me encanta nesses hotéis jovens não é tanto o preço acessível, mas a possibilidade de estar em contato com muita gente de muitos lugares diferentes. Se estamos querendo fazer uma viagem inesquecível, é preciso colocar a experiência de conhecer gente nova na lista de prioridades. Nossa, confesso que já estou animado; o próximo passo é ver preço de passagem. Tentarei me controlar.

Falei demais, cansei-me e não desejo lhe cansar também.

Com açúcar, com afeto,

S.

[Em resposta a: João/Stefano #1]