Thomaz/Stefano #8

Caro Stefano,

Sua carta também foi, para mim, um lugar onde chegar. Acho que textos também pertencem ao mundo do espaço, não só na página como, sobretudo, na memória. Neles se experimenta a mesma sensação de solidão que você descreveu. Nem sempre, nos livros como na vida, podemos alcançar essa sensação de pertencimento ao local e ao instante. Mas se, como você descreveu, essa experiência lança raízes implacáveis, ainda assim acredito no caráter benéfico dessa força.

É preciso viver o onde, ainda que muitas vezes isso seja impossível. Essa nossa conversa me lembrou de nossas primeiras cartas, em que eu falava sobre Cem Anos de Solidão e sobre a chuva em Macondo. Estamos sempre voltando aos mesmos lugares.

Espero notícias detalhadas suas para breve! Conte-me sobre como anda sua vie parisienne – o trabalho, as aulas, o cotidiano.

Um abraço,

Thomaz

Em resposta a: Stefano/Thomaz #7

Thomaz/João #19

Caro João,

As lacunas nas suas cartas me deixaram muito curioso. Parecia um daqueles textos censurados, cheios de marca-texto preto cobrindo as linhas. Sei que foi um ardil de último minuto para não deixar o post quilométrico, mas o efeito é um pouco assombroso.

As fotos estão muito boas! Fiquei impressionado com as instalações da Universidade. Esperava por algo mais medieval, mas essa modernidade em aço e vidro também é bem característica, como você disse. Mas o melhor mesmo foi o Roland Bar. Que nome! Quero ter um bar com esse nome – ou um nome desses – ainda na minha vida. Por favor mande fotos! Avise quando as colocar no post antigo, ou coloque numa carta nova.

A cerimônia de iniciação também precisaria ter sido registrada em vídeo. Minha imaginação mal alcança a situação. Músicas tradicionais em latim e dinamarquês! Togas! Apertos de mão! Juramentos de obediência! Senhor!… Por sinal, essa tradição das músicas universitárias na Europa é muito bacana, e infelizmente por aqui só teve dois frutos: gritos de guerra de olimpíadas universitárias (“CHUPA MEDICINA”, etc.) e o “Pa-ra-béns-a-vo-cê”.

Fico feliz de ver que você já fez amigos por aí. São essas amizades, afinal, que vão te dar uma força com os perrengues, as dificuldades, os bodes – que não estão acontecendo porque você ainda está começando sua vida por aí e há muito a resolver, mas porque eles aparecem sempre mesmo, em todas as situações da nossa vida (talvez por estar sozinho, o sentimento de desamparo e aporia seja maior às vezes, e aí é que entram os amigos).  Essa disputa entre você e a Dinamarca será um jogo permanente – mas é sempre um prazer jogar.

Mesmo com toda a fama, com toda a brahma
Com toda a cama, com toda a lama
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa chama

Deixa, que essa fase é passageira, amanhã será melhor
E você vai ver que a cidade inteira seu samba sabe de cor

Abraço,

Thomaz

Em resposta a: João/Thomaz #18

 

Thomaz/João #17

Pindorama, Agosto de 2013

Meu caro amigo,

Quando me aproximava do final  da sua carta, não pude deixar de pensar (desculpe-me): “famous last words“… Considerando que a tétrica sensação veio depois da atribulada narração de suas peripécias picarescas pelas calçadas de Copenhagen, sinto que essa viagem já começa a reunir material suficiente para a redação posterior de um desses romances semi-auto-biográficos com a estrutura de uma comédia de erros (desculpe-me outra vez) ou de uma verdadeira odisséia de desencontros. El ingenioso hidalgo Don Quijote de La Mancha e Sancho Pança. The History of the Adventures of Joseph Andrews and of his Friend Mr. Abraham Adams. As curiosas aventuras de Pudim e seu vizinho Atchim. O que também pode ser o nome de um livro infantil. Ok, agora chega.

Brincadeiras à parte, diante da quantidade de informação que você já passou adiante nessa primeira carta, fiquei pensando que talvez tenhamos que suspender o padrão carta-resposta-carta-resposta, pois você terá muito mais a dizer do que eu, e assim virão, talvez, João/Thomaz #18, João/Thomaz #19, João/Thomaz #20…

O viajante está sempre em contato com o novo, com novas experiências que ele mesmo precisa processar, no que a escrita com certeza ajuda bastante. Mas o que a pessoa que fica conta para quem partiu? Talvez em outros tempos coubesse mandar notícias da pátria, mas a internet tornou esse expediente obsoleto. Ainda temos os copyrights de nossas próprias vidas relativamente assegurados, o que abre espaço para contar sobre como as coisas vão conosco (caso o Obama não te conte antes, rs).

Pensando nisso, lembrei de duas canções em forma de carta. Numa delas, Meu caro amigo, Chico Buarque manda para Augusto Boal, que estava no exílio, notícias do Brasil.

Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita,
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita.

Na outra, Carta ao Tom/Carta do Tom, encontramos a mesma mistura de humor e melancolia.

Rua Nascimento Silva, cento e sete
Você ensinando pra Elizete
as canções de canção do amor demais
Lembra que tempo feliz, ai que saudade,
Ipanema era só felicidade
Era como se o amor doesse em paz
Nossa famosa garota nem sabia
A que ponto a cidade turvaria
este Rio de amor que se perdeu
Mesmo a tristeza da gente era mais bela
e além disso se via da janela
Um cantinho de céu e o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza,
é preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar de novo o amor.

Longing. Sentimentozinho definidor da nossa humanidade, né não? Acho que vou adotar essa de te enviar umas músicas da terrinha enquanto você estiver por aí. Quem sabe você não converte uns dinamarqueses para o culto dessa nossa imensa herança cultural?

Abraço,

Thomaz

Em resposta a: João/Thomaz #16

João/Thomaz #14

Querido Thomaz,

São 22:59, umas dezessete horas antes do meu voo. A maioria das coisas que vêm à minha mente são questões práticas, do tipo: como vou fazer para andar pela cidade arrastando aquela mala colossal e uma mochila considerável nas costas? Obviamente, preocupações tolas: e o meu eu-típico acalma o eu-fórico.

Hoje em dia eu já não costumo ter muita noção do que está acontecendo ao meu redor. Mas quando eu viajei para a Nova Zelândia, sozinho, com apenas dezesseis anos, eu era menos consciente e perceptivo ainda. Eu não tinha ideia dos riscos que estava correndo. Sem essa atitude, minha primeira aventura não teria sido metade do que foi. Estou lutando, com relativo sucesso, para encarnar esse João de dezesseis anos agora.

As pessoas fazem muitas perguntas e as respostas costumam ser as mesmas, over and over again. Estou encarando isso de maneira muito positiva, pois a repetição garante que eu tenho certeza do que estou falando, e me ajuda a repassar as toneladas de informação na minha memória. E ainda há muita lição de casa a fazer.

Uma das questões cruciais é: Por que a Dinamarca? Você sabe que eu sempre quero conhecer esses países de que se pergunta: Que língua eles falam? Qual é a moeda? É muito frio lá? O que tem lá? Talvez a resposta mais correta à pergunta-mãe seja: é o que tem pra hoje. Mas não é isso que eu digo, é claro. Eu respondo o seguinte.

Primeiro, eu aprecio a distância a cultura do país. Você percebe, mas eles não, que essa resposta se aplica também ao Irã, à Nova Zelândia, ao México, a Roma e a Bizâncio, entre muitos outros. Mas não deixa de ser verdade.

Segundo, é uma oportunidade de aprender coisas novas. É uma resposta propositalmente ambígua, pois posso estar me referindo à viagem por si só ou à universidade. Devo ser um dos poucos que está tão empolgado com um quanto com o outro.

Terceiro, porque é um país que tem muito de novo a oferecer que posso trazer de volta. Sobre isso, acho que tenho pouco a comentar. Mas eu sinto que a mesma experiência nos EUA ou na França, por exemplo, (menos ainda nos EUA do que na França) não teria o mesmo impacto de tradução.

Uma coisa ninguém me perguntou ainda, mas é bastante importante. O que eu estou procurando? Pouco falei sobre esse assunto com você, mas ultimamente tenho me pego com frequência num preocupante desespero espiritual decorrente da minha alienação em relação à natureza e à arte. Sem grandes elaborações, simples assim. Talvez, se você assistir à TED Talk do Sebastião Salgado, e lembrar que ando escrevendo e pensando sobre Miyazaki (de novo), você me compreenda melhor. Acredito que os jardins e parques da Dinamarca podem me dar um novo fôlego em relação a isso (você também percebe que, de novo, os jardins e parques da Inglaterra, do Camboja ou do Brasil também poderiam satisfazer essa necessidade, então voltamos à resposta inicial, à resposta sincera a todas as perguntas).

Sentirei sua falta.

Abraços,

João G.

Em resposta a: Thomaz/João #13