João/Thomaz #10

Querido Thomaz,

É a quinta vez que recebo uma carta sua e a terceira em que me sinto obrigado a pausar e refletir profundamente sobre as ideias que você sugere. Não sei o que concluir com isso. Segue minha resposta.

De fato, sermos “membranas” ou válvulas onde as coisas estacionam antes de continuar sua jornada muda tudo. Não pensaríamos que somos simplesmente seletores de “memes”, mas de fato cada ser humano seria uma persona, uma ópera composta a partir dos “átomos” vagando no mundo.

Retornando um pouco ao Frye, lembro de ter sido particularmente impactado pela sua ideia de que a mudança de opinião não é sinal de inconstância, mas de fidelidade a princípios mais profundos. Spenser encerra o que temos de Faerie Queene com uma fuga de seu dualismo quase sufocante, dizendo que a mudança (o “mal” no poema) é só a forma como a permanência (o “bem”) se expressa; a realidade é “eterne in mutabilitie”.

Em que isso transforma, por outro lado, aquele que é aparentemente resoluto, o que permanece no mesmo estado não importa o que aconteça ao redor por medo da mudança? Esse precisa reinterpretar constantemente tanto o mundo quanto o seu próprio eu para que as coisas continuem do jeito que estão. Os conservadores não precisam menos de auto-afirmação do que os libertários; sabemos que, por vezes, é o contrário. Pessoas que têm medo de mudanças são membranas que deixam tudo passar em nome de uma superficial permanência.

Isso, para mim, deixa implícito o convite de que o critical path é tornar-se uma válvula melhor: talvez não seja uma verdadeira libertação da nossa contingência, mas uma maneira de fazer as pazes com ela.

Mas no fim, o que persiste (e gera nossas crises) é a incompreensível oscilação de que às vezes estamos profundamente entediados com a História, e às vezes absolutamente fascinados por ela — ou mesmo apenas seguros nela.

Saudações vacilantes,

João G.

[Em resposta a: Thomaz/João #9]